segunda-feira, 25 de junho de 2012
abissus abissum invocat
Com um primeiro ministro convalescente de uma delicada cirurgia de descolamento de retina e portanto inactivo , um ministro das finanças demissionário por cólicas abdominais, sem quaisquer interlocutores a nível comunitário, sem dinheiro nos cofres do Estado para pagar salários de Junho e outros compromissos imediatos - o abismo grego é inevitável.
E depois?
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Nostoi
Serra do Roboredo, Moncorvo - imagem de Farrapos de Memória
Nostoi
(…) e o fim de toda a nossa exploração
será chegar aonde partimos
e conhecer esse lugar pela primeira vez
T.S.Eliot, Quatro quartetos
assim, entre o nada e a destruição dos dias, ocupo-me por fim dos seus escombros
busco por galerias de antigas minas da memória
o interior do ser
antecipando a grandiosidade do fogo,
metalúrgico sinal da origem
estou preso nas entranhas do verbo
evoco os lugares que julguei serem meus,
entre mim e outro, indecifrável,
diria todos os outros nos quais já não consigo ver-me
mas que fui eu e eu conheci
e me descobriram nesses lugares
lugares talvez verdadeiros
talvez apenas lugares através dos meus sentidos
descrevo-me pois viajante de retorno à idade das vozes primitivas
ao refúgio no qual cresce a inquietação
e o olhar do próprio tempo
Pedro Saborino
terça-feira, 12 de junho de 2012
dies irae
dies irae
nesta cidade viverá o teu nome
ó deus da justiça, mais do que os anjos que velam o invisível
sobre nós baixarás a tua mão
brotará o sangue sobre a nossa cabeça
como a bênção da morte redentora
falarás depois do esquecimento e
tudo se fechará num silêncio absoluto
como a luz que provém da escuridão
um rio que vem do fundo do tempo
remoto tal a origem do corpo
o universo tremerá, no espaço negro da força incógnita
e então desvendarás o significado da sabedoria do anjo
e das formas
mostrarás o teu poder
sobre a quietude, o vazio,
desvendarás a dor que nos acorrenta
e nos mantém escravos
nesta cidade escutaremos finalmente a tua voz
- ó deus da justiça-
como o cântico da libertação
Pedro Saborino
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Corpus Christi
(…) Sob a pressão de vozes vindas do exterior, eles passaram a métodos mais suaves e têm dado ordens no sentido de que não se toque em um cabelo sequer de judeu.
Este boicote – que nega às pessoas a possibilidade de desenvolver uma actividade económica, a dignidade de cidadão e a pátria – tem empurrado muita gente para o suicídio: cinco foram os casos trazidos ao meu conhecimento somente dentre os meus familiares.
Estou convencida de que se trata de um fenómeno geral que provocará muitas vítimas. Pode-se pensar que os infelizes não terão tido bastante força moral para suportar o seu destino. Mas se a responsabilidade cai em grande parte sobre aqueles que os empurraram a um tal gesto, ela recai também sobre aqueles que se calam.
Tudo isto que aconteceu e que acontece quotidianamente vem de um governo que se define como “cristão”. Não somente os judeus, mas também milhares de fiéis católicos da Alemanha – e, eu penso, do mundo inteiro – aguardem depois de semanas e esperam que a Igreja de Cristo faça ouvir a sua voz contra um tal abuso do nome de Cristo (…).
Edith Stein, 1891-1942 (Auschwitz), canonizada em 1998 por João Paulo II como Santa Teresa Benedita da Cruz
Carta ao Papa Pio XI , 12 de Abril de 1933
segunda-feira, 4 de junho de 2012
os dias impuros
os dias impuros
escrevo-lhe não para me confortar mas para lhe dizer que apesar de tudo as dores não me atormentam tanto agora com o novo tratamento embora o tumor do meu pescoço continue muito inchado e tenso, sinto uma pressão enorme que por vezes me impede de falar e de respirar fico mesmo no limite da asfixia, as sessões de quimioterapia e de radioterapia deixam-me muito debilitado mas acho que depois ficarei melhor, muitas vezes imagino mesmo que me vou curar, é uma forma de olhar o mundo, sabe que continuo a trabalhar vou ao escritório falo com os colegas abro uns processos discuto umas ideias escrevo umas minutas sinto-me útil compreende? de resto sei que não posso fazer muito mais, depois regresso a casa vou sempre a pé devagar vou sorvendo os ruídos do mundo as vozes o ladrar dos cães o barulho dos carros entro no café e bebo uma bica a olhar um ou dois velhotes mal barbeados que reviram o jornal quase esfarrapado com notícias que nada adiantam ao seu rosto embaciado e eu próprio me perco por vezes em tal divagação, mas depressa me liberto do limbo incerto e procuro os sinais de que estou vivo, sofro por vezes cruamente mas estou vivo digo porquê não sei mas estou vivo de resto o que é viver? a obra feita ? as mulheres que amei? o meu filho que entretanto deixou de existir? o que é que eu fiz afinal na vida? fui o falcão agrilhoado ou a garra da águia ? a torrente o rio incontido ou o charco a viela a esquina? não lhe sei dizer nem será importante dizer porque nada é mais importante agora do que desatar estas cordas que sinto em volta de mim como uma servidão, não que eu deseje sofrer ou que a dor me purifique ou me redima ou absolva mas tão só porque não quero caber dentro do meu corpo quero estar do lado de fora de mim e olhar-me apenas como o ser físico sofredor o outro frágil que a doença vai minando, estou pois aqui ao mesmo tempo espectador da minha condição e senhor de mim mesmo, tenho dado comigo a pensar como desta forma eu posso escolher entre a essência da minha liberdade e a existência da minha natureza humana que se enreda na trama de todas estas vicissitudes às quais não posso fugir
vou tal como sísifo carregar a pedra do vale ao cume, da humilhação até à face dos deuses,dia após dia, vou acorrentar a morte
abraço amigo F.
Imagem de bucaorg (CC-usage) Flickr
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