quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Para Pablo Neruda




Geração do poema






Não estás morto,não estás morto.


Estás apenas dormindo.


Como dormem as flores


quando o sol se reclina.






o poema está aí onde tu o inventas
e a tua mão subverte esse tempo indefinível que lateja
na antecipação do prazer
como o sexo

está aí o poema, só teu, em nudez total
depois move-se, sempre inacabado, suplicando na dor do corpo
e rasga-te
no movimento
esse instante que ninguém viu ou sentiu ou respirou senão tu
profano aprendiz da agonia da palavra exacta
da revelação
do rio profundo da matéria

está aí o poema, possuindo-te já e não possuído
tomando-te o suor incendiado na vigília que entra pela manhã
calcinando-te no fogo interior da sua construção
está aí o poema
entre o sim e não, o amor e a morte, o anjo e a mutilação
o nada e a revelação
está aí senhor e servo da tua criatura
em mudança permanente




Pedro Saborino


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Para T. S. Eliot


(…) e o fim de toda a nossa exploração
será chegar aonde partimos
e conhecer esse lugar pela primeira vez

T.S.Eliot, Quatro quartetos



Nostos

assim, entre o ser e a destruição dos dias, ocupo-me finalmente dos seus escombros
ando por galerias de minas antigas da memória
antecipando a grandiosidade do fogo,
metalúrgico sinal da origem

estou preso nas entranhas do verbo
evoco os lugares que julguei serem meus,
entre mim e outro, indecifrável,
diria todos os outros nos quais já não consigo ver-me
mas que fui eu e eu conheci
e me descobriram nesses lugares

lugares talvez verdadeiros
talvez apenas lugares através dos meus sentidos

descrevo-me pois viajante de retorno à idade das vozes primitivas
ao refúgio no qual a inquietação se avoluma
e o olhar desperta
absoluto



Pedro Saborino

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Gente comum



(…) o que chamamos o princípio é muitas vezes o fim
e terminar é começar.
É do fim que nós partimos.
T.S. Eliot, in Quatro quartetos



carregaremos sobre os ombros o peso da liberdade
milhões de mortos nos olharão
e o seu sacrifício não será redimido
sem o nosso próprio sacrifício

seremos julgados pelos que vierem depois de nós
pelas nossas omissões
pela nossa ignorância
pela nossa indiferença
pelo nosso egoísmo
pela nossa servidão

nada nos livrará do juízo temível dos mortos
se formos moribundos do futuro

sábado, 10 de dezembro de 2011

teoria geral do conhecimento



(…) e o fim de toda a nossa exploração
será chegar aonde partimos
e conhecer o lugar pela primeira vez

T.S.Eliot. Quatro quartetos


assim, entre o ser e a destruição dos dias, me ocupo dos seus escombros
por galerias de antigas minas
que antecipam a grandiosidade do interior da terra
o seu metalúrgico fogo
estou preso no verbo
invoco a memória dos lugares que achei meus
estou entre mim e o outro indecifrável
diria todos os outros nos quais já não consigo ver-me
mas que eu fui e eu conheci
que me descobriram nesses lugares
talvez verdadeiros
talvez só meus
talvez só lugares

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

exercício barroco sobre a liberdade




tens a liberdade que tomas do teu mundo
a tua viagem é em ti mesmo
do que não queres
do que não te conseguem tirar
do que não te silenciam
ou do que não te matam
morrerás por ti
cobarde e só
se não recusares

o teu corpo aprisiona-te
se o deres ao inquisidor

és senhor da tua luz
e apenas escravo da tua escuridão