quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O saque


o saque

podemos dizer dos muros que foram derrubados
só porque não os vemos?
ou porque tu e eu os ignoramos ?
ou porque simplesmente já não existem?
ou porque já não os desejamos
no silêncio das nossas omissões e cobardias?
a nossa força não provém da opressão
mas da liberdade
as verdades mudam com as fomes
ou as pragas
ou as mentiras
ou as feridas
ou as violações
(as próprias guerras nada mudam para além das mentiras)
vivemos rodeados de quotidianas verdades
mas a verdade
a derradeira verdade
é a que te liberta
e que te consome
totalmente

terça-feira, 9 de agosto de 2011

tempos











muitas coisas se passaram dentro dos meus versos
alongou-se, talvez demais, o espaço entre as sílabas
que prenunciavam a mudança
e eu estava ali num silêncio compacto e vicioso
que a espera tornava difícil
nada definitivamente nada fluía desse recanto
digamos desse indefinido pedaço de memória
como se fosse uma mera imagem das minhas inquietações
aí então, como uma faca no vazio, se revelaram os diversos tempos
o tempo inicial e informe do princípio
milhões sobre milhões de anos, pó sideral disperso
até ao tempo do meu passo sobre este chão concreto
ou o meu tempo interior sem tempo que apenas e exclusivamente construo
do tempo cronometrado do meu gesto
ao tempo sem tempo nenhum da minha ideia de tempo
do universo que flui dentro de mim e apenas apercebo
passado, presente e futuro são agora construções, como a praça vazia da minha vila se refaz no fontanário que eu vejo ali em baixo
mas podia nem sequer ver
podia apenas imaginar
como as pedras sobrepostas de uma escada
ou o amanhecer por detrás da janela envidraçada


aí então podia descortinar o tempo definitivo
o tempo real da realidade

o tempo total

Pedro Saborino






sábado, 6 de agosto de 2011

Hiroshima, 8 e 15



Hiroshima, 8 e 15


leite negro da aurora bebemos-te à tarde
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à noite
e bebemos bebemos
Paul Celan – Fuga da morte



temos todos as mãos sujas
a cinza escorre-nos entre os dedos
e as feridas ainda ardem na memória
dos cativeiros
das valas abertas, dos fornos fumegantes

morre-se aí
a mesma morte de todas as guerras

nós queremos apenas abrir os olhos sobre o vale funesto
e ver por fim a força das palavras
definitivas
o leite e o mel
no regaço da mãe
a giesta
o rio fluente
o canto

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O banqueiro neo-anarquista, Espinosa e a liberdade








O banqueiro neo-anarquista , Espinosa e a liberdade


certamente, neste ou noutro dia qualquer, você compreenderá que o jugo tirânico do dinheiro se insinua por si próprio, se enrola sobre si mesmo como uma hélice de que não se conhece nem o fim nem o princípio, a desigualdade é um fatalismo, a liberdade um poder igualmente desigual que você pode ter ou não ter conforme o dinheiro seja poderoso ou subjugador, a minha liberdade não é o poder do dinheiro é saber que o seu trabalho não é mera ficção mas o meu lucro, mas já estou muito longe, meu caro amigo, da acção directa, o anarquismo é um mero disfarce a persona cinzenta talvez um pouco cínica em que me escondo, na verdade eu acredito que os marxismos estão todos mortos e que não somos definitivamente todos iguais, a revolução acabou , o meu próprio dinheiro não me mede a riqueza. afinal o que é ser rico? uma metáfora , ser rico não me torna livre mas você, que não é rico, não é igualmente livre, repito - a liberdade não existe por si é um poder discriminatório, a sociedade é um poder regulador, a burguesia uma miragem, você leu Gramsci? não acredito em intelectuais, não há cultura de massas, o dinheiro dimana para a cultura porque a precede, sem ele a cultura é uma falácia




- a liberdade é uma construção interior ( respondeu-lhe pausadamente o interlocutor), Espinosa situava a liberdade numa necessidade livre . o poder não é verdadeiramente livre porque não é exercido de dentro para fora e por isso considera toda a liberdade perigosa. mas a minha essência é ser livre e não temo o poder, nem o do dinheiro.essa é a minha liberdade