segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Lugares





podia ter sido de outra maneira
outras palavras teriam feito romper-me o corpo
ou nele conter o próprio ritmo do vento

podia ter dito apenas algo inventado
duas coisas quaisquer sobre o universo
e surgiria da morte como um rio
neste espaço
entre a agonia e a luz da alva

mas tudo permanece
o círculo branco
o som
a poeira muito fina do segredo



Pedro Saborino


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Escada de jacob


BRANISLAV MIHAJLOVIC
Escada de Jacob (Azul)
Acrílico, chumbo, pedras s/papel - 140x110 cm - 2005




olho em torno e pressinto o que ainda permanece das formas
ou pelo menos alguma luz que por vezes divaga
sobre os meus ombros
de objectos outrora perante mim

não é pois verdadeiramente noite ou abismo
nem nada se esconde
dessa luz azul que revela o espaço entre o vazio e a cor
epítese terrível onde os membros de vários corpos se confundem e
se consomem
num ritual de fogo

agora o passo acima
o olhar silencioso da ave sobre o campo onde o fumo silencia o frémito da luta
e as armas repousam
não há mais gritos e os gemidos apenas prenunciam o espaço da morte

por cima ainda rompo as vestes roxas
e as minhas perguntas libertam-me as palavras
do nada
em metáforas e diversos perfumes
há cantos
e silêncio depois

caminho sobre a rocha
e o peito abre num prenúncio
a libertação do anjo

aqui
conheço o ocre a tinta magnífica a mão aberta
o sentido urgente

no último degrau por fim desvendo o rosto
revelado o tempo
que o deus fabrica
a iluminação a dor final das vísceras
tombadas sobre o pó
das estrelas


Pedro Saborino

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Nau Catrineta


vede o céu que se curva
no poente em cada dia
inútil o remo ou a vela sobre o rumor cavo do mar
alcança o olhar do gageiro
em silêncio o horizonte

contemos a raiva a fome o espanto
os sonhos numa ave que se afasta
um albatroz
o peixe raro voador cinzento morte alada
desta nau deste mistério

Pedro Saborino

poema breve

há um vento parado neste espaço
uma luz que se desprende molda e refaz
o caminho
vemos até ao fim o dia esplendoroso
que os nossos dedos retecem
quase podíamos tocar o interior dessa memória
como uma víscera
um ruído sanguíneo
ou talvez nada

Pedro Saborino