domingo, 29 de março de 2009
A poesia é uma arma carregada de futuro
A poesia deste basco é tão intensa como as suas buscas. Resistente antifranquista , construiu a utopia de uma poesia de intervenção, social, directa, imanente, que preencheu muitos sonhos da minha juventude. Como esta.
(...) Assim é a minha poesia: poesia-ferramenta
e ao mesmo tempo pulsação do unânime e do cego.
Assim é , arma carregada de futuro expansivo
com que te aponto ao peito
Não é uma poesia gota-a-gota pensada.
Nem um belo produto. Nem um fruto perfeito.
É algo como o ar que todos respiramos
e é o canto que difunde o que levamos dentro.
São palavras que todos repetimos sentindo
como nossa, e voam. São mais do que o que dizem.
São o mais necessário : o que possui um nome.
São gritos no céu e, na terra, são actos.
Gabriel Celaya (1911-1991)
sábado, 28 de março de 2009
Poemas de Varsóvia
sexta-feira, 27 de março de 2009
Cancro, listas de espera e cidadania
Homenagem a Manuel Alegre
Manuel Alegre é o poeta da paixão indizível, da aventura épica, do destemor, do grande silêncio .Talvez o último poeta romântico do seu tempo.
O seu percurso de vida preencheu o imaginário da minha geração.
Para mim certamente um dos poetas preferidos. Talvez o mais próximo.
Metáforas
As metáforas devoram as metáforas
mas nunca ninguém dirá
aqui
ou
ali.
Porque o teu reino é no adverso e no inverso
e só aí
o vento o verbo um verso.
Manuel Alegre, Livro do Português errante
Que nome te dar? Tu és única. Tu és todas. Ou talvez nenhuma. Eu sou tu. Tu és eu. A outra metade de mim. A parte de ti que em mim ficou. A parte de mim que foi contigo. Ninguém me foi tão próximo. Ninguém me escapou tanto.
Como foi que constantemente nos encontrámos e nos perdemos?
Esta é a história . Uma história sem história. Uma história só isto.
Manuel Alegre, A Terceira Rosa
segunda-feira, 23 de março de 2009
Cirurgia, Cirurgiões e Escolas de Cirurgia
domingo, 22 de março de 2009
Para memória futura III
sábado, 21 de março de 2009
Herberto Hélder
O poeta não é um fingidor
( réplica a F. Pessoa)
De sentidos e olhares desfeitos no dia que se rompe
memórias de uma noite em vago e indefinido passo
leva-me o poema aonde eu aporto e embaraço
a nau de velas mortas no cais agora em sono estranho
métrica de morte sofrida e lenta , cântico final de um
qualquer destino , longe ou perto, dentro ou fora,
numa dança que o rito determina e em que mora
um sentimento sem sentido , um rosto , uma canção
uma agonia um caminho de pó e vento
por que ando e me destrói os pulsos e me
suspende o corpo nesta cidade sem nome sem nada
Cascais, 20 de Março de 2009
quinta-feira, 19 de março de 2009
Soneto meridional
na outonal curva em que a vida enfim se alonga
e os sonhos se detêm, talvez findos, talvez vazios,
por demais sofridos golpes ou rudes e frios
momentos, que a fortuna adversa o peso lhes prolonga
no frágil e juvenil caminho das terríveis verdades
que o tempo, insaciável, feroz máquina da morte ,
destrói e consome , sobre nós designando a sorte
dos gestos, das angústias , dos temores, das vontades
descobrimos, em súbito e derradeiro espanto,
o cheiro do mar, que no doce e leve encanto
da noite se desprende, além do tímido odor do laranjal
assim húmido e aos poucos da terra se levanta
depois mais forte que o maior amor , mais que tanta
paixão na fugidia madrugada por fim cresce e se desfaz
Agosto e Dezembro de 2007
Tavira, Cascais
quarta-feira, 18 de março de 2009
Ser ou não ser
terça-feira, 17 de março de 2009
T.S. Eliot
segunda-feira, 16 de março de 2009
Para memória futura II
quinta-feira, 12 de março de 2009
me quedan las palabras
na morte de Rafael Albertí
28 de Outubro de 1999
de que se fazem os cantos as duras formas dos picos submersos na angústia do anoitecer de que se fazem o rosto acerado e aquelas mãos
retorcidas que cortam o vento ? de que se fazem
os pássaros esmagados
dentro dos sonhos
que já não brilham como estrelas
de que se faz o silêncio que provém do vazio
e flutua
aquela boca gelada que já nada pede
o fio trémulo com que o menino segura a lua
os passos
na chuva o calor sufocante e o odor do laranjal
de que se fazem ? o recanto da luz e o pequeno banco de pau
de que se fazem todos os ódios calcinados a greta da miséria
e a tua fome ó vão guerreiro
ó pranto
de que se fazem o destroço o duro arco vergado o caule
morto
ofício roxo de um céu esquecido
de que se fazem?
de que se fazem?
quarta-feira, 11 de março de 2009
Estrada de Inverno
Adianta-te ao adeus, como se ele assim
ficasse para trás, como o Inverno agora.
XIII Soneto a Orfeu R. M. Rilke
Vê como é difícil achar as palavras que nomeiam esta paixão
na tarde em agonia
terrível oficina de silêncios e escuros recantos
escuta o vento nos ramos nus dos plátanos
por cima de memórias que agora enchem os nossos dias
já não sabemos chorar - temos fome - e a estrada corre à nossa frente
gelou a fonte. A terra ressequida estala sob os nossos pés.
Diz-me : onde fica o paraíso ? Sabemos agora mais do que sabíamos ontem sobre o
universo ?
Diz-me ainda : que deus nos conduzirá ?
Vê como o amor se desvenda no poema
terça-feira, 10 de março de 2009
Para memória futura
" Da mesma sorte dissera que V.A. acharia certas boas povoações quase desertas , como por exemplo na Beira Alta os grandes lugares da Covilhã, Fundão e cidades da Guarda e de Lamego , em Trás-os-Montes a cidade de Bragança , e destruídas as suas manufacturas. E se V.A. perguntar a causa desta dissolução, não sei se alguma pessoa se atreverá a dizer-lhe com a liberdade que eu terei a honra de fazê-lo; e vem a ser que a Inquisição , prendendo uns por crime de judaísmo, e fazendo fugir outros para fora do reino com os seus cabedais, por temerem que lhos confiscassem se fossem presos, foi preciso que as tais manufacturas caíssem, porque os chamados cristãos-novos as sustentavam e os seus obreiros , que nelas trabalhavam em grande número, foi necessário que se espalhassem e fossem viver a outras partes".
D. Luís da Cunha ( 1662-1749) cit. in Introdução Geográfico-Sociológica à História de Portugal , António Sérgio
Sobre a destruição da indústria da seda em Trás-os-Montes
sexta-feira, 6 de março de 2009
A morte não existe
A morte é a entrada noutros modos de relação e por isso não existe.
Spinoza
Que dizer deste espaço absoluto , esta inquietante espera de algo que se adivinha ? Uma caixa entreaberta onde jaz um pequeno corpo , inerte e frio , um olhar que não sabemos se de angústia , se de dúvida, se de descrença ?
Que pensa esta mulher, que adivinhamos ser a mãe da criança ?
Serão de revolta os seus pensamentos ? de impotência ? de medo ? de piedade ? de conformismo ? de desânimo ? de confusão? que emoções lhe conformarão este momento ? que palavras se lhe secam na garganta ? que gritos calará ?
Não há definição nem estado que se possa aqui identificar.
Tudo o que se pode dizer permanece no vazio . Num devir de outras emoções . Um momento que já não é significante ou uma luz que se reacende com outro reflexo. Um eu diferente.
Tenho uma ideia sobre a morte. A morte não existe.
quinta-feira, 5 de março de 2009
O adagietto da 5ª de Mahler, a pulsão da morte e o sr. Francisco
domingo, 1 de março de 2009
A face e a máscara
O que julgo haver de mais interessante nesta gravura é ela mostrar a base esquelética da face e, sobre ela, o complexo revestimento muscular e cutâneo (este que se adivinha apenas) das estruturas que definem ao nosso olhar a face humana, faltando evidentemente a rede vascular e linfática e, sobretudo , a anatomia nervosa em particular o nervo facial , que dinamiza todos os músculos da face.
Mas esta visão anatómica não reflecte senão o suporte anatomofisiológico do rosto humano e das suas expressões .
Como dizem Courtine e Haroche num excelente trabalho sobre "A história do rosto" , o rosto está no centro das percepções de si, da sensibilidade a outrem, dos rituais da sociedade civil , das formas do político (...) - o rosto fala".
A fisionomia está culturalmente associada ao eu e exprime o íntimo do indivíduo de forma única, quer nos momentos em que as emoções estão controladas, quer nos momentos de pulsão. O relacionamento interpessoal dentro das sociedades estruturou ao longo dos séculos códigos de comunicação através da expressão facial que actualmente se podem considerar como regras de conduta codificadas.
Os indivíduos em sociedade interagem também através de uma certa "ordem expressiva "mantida, como refere Goffman, cuja ruptura traduz uma associalidade que pode ser sancionada.
Esse controlo indirecto da conduta encontra um escape por um lado no intimismo individualista hoje tão em voga sob a forma de meditação e, por outro lado, na ficção artística , desde a imagem até às artes cénicas.
Vejo assim a Arte como uma forma vital de liberdade, sem o que ficaríamos prisioneiros ou da incivilidade da falta de comunicação, ou da dessocialização dos comportamentos não regulados pela norma social.
A massificação da sociedade actual conduziu também e inevitavelmente ao anonimato do rosto e deste evoluiu-se para a criação de grupos que se comunicam em circuito fechado com recurso aos novos meios como forma de definir identificações .
Tais grupos funcionam como reintegradores sociais que já não contemplam a percepção do rosto como forma de leitura comunicativa mas antes como espaços de ideias ou conceitos , muitas vezes estereotipados.
A própria sociedade de massas fomenta, paradoxalmente, os rostos que o imediatismo proporciona serem os mais importantes num certo momento, para passar a outro no momento seguinte e assim sucessivamente.
Estamos assim em plena desconstrução da individualidade psicológica e, onde deveria existir sinceridade no sentido que Rousseau afirmou para o Homem novo, existe descaracterização e máscara .